Prof. Daniel Aelenei
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Department of Civil Engineering, FCT - UNL, Campus de Caparica, 2829-516 Caparica, Portugal (email)
Department of Civil Engineering, FCT - UNL, Campus de Caparica, 2829-516 Caparica, Portugal (email)
Discutir os NZEB já não é o que era. Enquanto, há três anos, os especialistas se centravam na definição do conceito e nos desafios ao nível da engenharia e da arquitectura que estes novos edifícios traziam, hoje, a preocupação parece ser em enquadrá-los numa realidade cada vez mais inteligente, adaptativa, eléctrica, e na qual as tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a interacção com a rede desempenham papéis determinantes. Entre os especialistas, a eficiência energética e o uso de renováveis (local) são já um dado adquirido, agora, há que dotar os edifícios de flexibilidade energética.
A orientação foi dada durante a segunda conferência Net Zero Energy Buildings, que teve lugar a 29 de Setembro, na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, no Monte da Caparica. Depois de uma primeira edição em junho de 2012, o encontro, organizado em conjunto pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNI), voltou a reunir especialistas internacionais e nacionais, desta vez, numa discussão sobre os novos desafios para os NZEB nas cidades inteligentes. O cumprimento das intenções europeias para a energia e clima depende, inevitavelmente, de uma intervenção no parque edificado, não fosse este responsável por cerca de 40% da utilização de energia. Actualmente, são vários os desafios que se colocam ao sector dos edifícios, desde a urgência da reabilitação energética ao aparecimento de novas soluções e tecnologias. A par disso, assiste-se, também, a uma transformação da rede energética, muito devido a uma quota cada vez mais significativa de renováveis que obriga os edifícios a serem cada vez mais flexíveis. O conceito de "flexibilidade" foi apresentado no debate por Soren Ostergaard Jensen, do Danish Technological Institute e responsável pelo projecto internacional Annex 67. "A flexibilidade energética nos edifícios vai desempenhar um importante papel para facilitar sistemas energéticos inteiramente baseados em fontes de energia renováveis", explica a iniciativa, que conta com participação portuguesa. "Nos edifícios, há muitos elementos que podem ser flexíveis energeticamente", apontou jensen. Controlar o uso de energia, para que este corresponda à energia gerada pelas várias fontes disponíveis é uma das potencialidades dos edifícios flexíveis do ponto de vista energético. "Surgem da evolução natural das preocupações inerentes ao conceito NZEB", explicam, por sua vez, os responsáveis pela organização do encontro. Segundo Daniel Aelenei e João Martins, da FCT-UNL, e Hélder Gonçalves e Laura Aelenei, do LNEG, "no contexto NZEB, os edifícios passam de simples consumidores de energia a prosumers, que, além de poderem satisfazer as suas próprias necessidades energéticas, podem ainda abastecer a rede eléctrica". os especialistas explicam ainda que, "como na maioria dos casos, os períodos de geração de energia (eléctrica ou térmica) ao nível local não correspondem aos períodos em que se verificam as necessidades energéticas, desequilíbrios importantes podem surgir quer do lado dos edifícios, quer do lado das redes de abastecimento. Assim, a flexibilidade energética é necessária para adaptar o consumo energético dos edifícios à produção de energia a partir de fontes de energia renováveis como a energia solar e eólica". Por sua vez, a tendência para a electrificação dos vários sectores é mais evidente, o que traz também impactos para os edifícios. "0 consumo/produção de energia eléctrica é uma realidade que, cada vez mais, altera a dinâmica própria do edifício", aponta a organização. Embora esta realidade seja "fundamental" para que os edifícios sejam de balanço nulo, os peritos portugueses sublinham que "o alcançar deste objectivo poderá obrigar a considerar não apenas um edifício mas sim toda uma comunidade de edifícios. Isto alterará a dinãmica dos edifícios (e respectivas comunidades) bem como os sectores de actividades associados, obrigando a uma forte heterogeneidade entre edifícios, maior controlabilidade dos equipamentos e aumento da produção local de energia (renovável)".
Entre os elementos cuja electrificação trará mais impactos para os edifícios está o veículo eléctrico. Esta mudança vai exigir novos modelos que integrem tanto o carregamento controlado dos veículos eléctricos como mecanismos de resposta às necessidades energéticas (demand response), explicou João Peças Lopes, do INESC TEC. Para o especialista, os elementos dos edifícios vão deixar de ser "passivos", logo, os NZEB terão de ser "activos". Neste cenário, sistemas de gestão de energia nas casas, ferramentas de previsão e soluções preditivas vão ser determinantes para a gestão dos sistemas energéticos, assim como para aumentar a sua "resiliência".
Olhar os edifícios na óptica das comunidades remete-nos para as smart cities, que faziam também parte da agenda do encontro. Intrínseco à definição do que são cidades inteligentes está o uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC). Em representação do projecto dinamarquês CITIES, Hendrik Medsen defendeu que a integração de diferentes sistemas de energia, utilizando dados e soluções TIC, vai levar à definição de modelos e de métodos para o planeamento e operação de sistemas energéticos flexíveis. "A integração pode fornecer armazenamento virtual e sem perdas, o que vai retirar peso à discussão à volta das soluções de armazenamento físico", acrescentou.
Entre os muitos projectos no âmbito das smart cities que tocam directamente a relação entre a energia e os edifícios, há um que está a desenrolar-se em Lisboa: o Suscity. Tendo como como pano de fundo a zona entre os Olivais e o Parque das Nações, a iniciativa pretende "a modelação de sistemas urbanos e representação de dados através da recolha e processamento de big data, dispersa por várias fontes de informação para disponibilizar aos diversos actores de mercado: sectores político, industrial e de serviços, assim como ao cidadão". Para além da caracterização dos edifícios e do consumo de energia, a acção vai também visar outros parâmetros, tais como o consumo de alimentos, bens e serviços, água. O objectivo será desenvolver uma "super-ferramenta" que integre todas estas vertentes e que possa demonstrar qual o impacto de cada uma nas restantes, explicou Paulo Ferrão, do MIT Portugal.
Uma questão de definição
Durante a primeira edição da conferência NZEB, em 2012, definir e caracterizar este tipo de edifícios era a questão do momento. A verdade é que, ainda que com novos desafios, este continua a não ser um assunto claro. Desde a introdução do conceito de "nearly zero energy buildings" (edifícios com necessidades quase nulas, na tradução oficial portuguesa), em 2010, com a revisão da Directiva para o Desempenho Energético dos Edifícios, que o conceito tem estado em debate por toda a Europa. A lei comunitária aponta NZEB como "um edifício com um desempenho energético muito elevado", no qual "as necessidades de energia quase nula ou muito pequenas deverão ser cobertas em grande medida por energia proveniente de fontes renováveis, incluindo energia proveniente de fontes renováveis produzida no local ou nas proximidades". Partindo desta base, cada Estado-Membro deve, até 2017, apresentar uma definição detalhada do "quase nulas" e "nas proximidades". Esta exigência, ainda que obrigatória, dá aos países margem de manobra para aquilo que consideram ser um NZEB, o que faz com que a estratégia para a implementação dos edifícios de elevado desempenho energético ande a diferentes ritmos na Europa. De acordo com um relatório do Buildings Performance Institute Europe (BPIE), datado de Abril deste ano, metade dos países da União não tinha ainda uma definição oficial ou/e completa para os NZEB. No caso português, o Decreto-lei 118/2013, em particular o art. 16°, deu um primeiro passo nesse sentido, mas estão ainda em falta as definições adicionais, nomeadamente sobre o que se considera "formas de captação local de energias renováveis que cubram grande parte do remanescente das necessidades energéticas previstas", explicou, na altura, a ADENE à Edifícios e Energia. Mas o que torna este processo tão complexo? Para os organizadores da conferência, trata-se apenas de "uma questão de decisão política", já que a definição "não é difícil". Os NZEB fazem parte das exigências da EPBD e, a partir de 31 de Dezembro de 2020, todos os novos edifícios terão de encaixar nesta categoria, sendo que a regra entra em vigor dois anos antes para os novos edifícios públicos. Todavia, no âmbito da conferência, os especialistas chamam a atenção para o facto de se falar de Net Zero Energy Buildings, devendo, por isso, falar-se de "edifícios de balanço energético nulo" e não de "edifícios com necessidades quase nulas de energia".
"Como não há edifícios de energia zero (a não ser aqueles que não tem utilização), o correcto é sempre falarmos de balanço de energia. Balanço de energia entre aquilo que os edifícios necessitam para suprir as suas necessidades de conforto e o que os sistemas energéticos de energias renováveis podem fornecer ao edifício. É esta relação que pode fazer com que o edifício seja de balanço zero (quando a energia produzida no edifício de origem renovável é igual às suas necessidades energéticas), [e que] pode ser de balanço quase nulo quando aquilo que produz é inferior às necessidades mas é próximo, ou até pode ser que produza mais do que as necessidades do edifício e aí será um edifício de balanço positivo ou seja entrega à rede o seu excesso", esclarecem.
Por Filipa Cardoso, Edifícios e Energia, 1 de novembro de 2015